terça-feira, 13 de novembro de 2012

CALAR AS GRANDEZAS - Por Huberto Rohden



Perguntaste-me, amigo, se eu ia escrever um livro sobre o poeta cristão de Assis... Chaga dolente me reabriu no espírito essa pergunta.
Ante os meus olhos surgiu toda a potência do meu querer - e toda a insuficiência do meu poder... Eu, é verdade, já cometi delitos dessa natureza -escrevendo sobre os heróis do espírito.
Mas, à última página, foi sempre maior o remorso que a satisfação...
Espetada no museu a minha borboleta - via eu que perdera os mais belos encantos... Grandezas da alma não se podem dizer - só se podem calar.
Livro sobre as maravilhas divinas no homem - só devem constar de reticências e páginas em branco...
Como se pode tocar em tão delicado cristal - sem o quebrar?...
Como se pode colher uma flor - sem a matar?...
Como se pode apanhar borboleta - sem lhe tirar das asas o finíssimo pó?...
Como se pode recolher das folhas, com grosseira colher de pau, as pérolas do orvalho noturno?...
Como poderia eu assoalhar em praia pública a vida íntima duma alma?...
Como apregoar nas ruas os segredos anônimos dum coração?...
Como escancarar à devassa de olhos impuros o sancta sanctorum do templo de Deus?
Como poderia eu dizer a homens mortais o que o santo nem soube dizer ao Deus imortal?
Não, meu amigo, não posso escrever sobre as grandezas do poeta cristão de Assis. Prefiro admirar em plena liberdade esse sopro de Deus a analisá-lo no laboratório.
Em vez de falar - vou calar as grandezas do herói.
Assim, se não acerto em dizer o que ele é - não digo ao menos o que não é...
Sobre o papel do silêncio, com a tinta das reticências - escreverei a biografia do grande anônimo de Assis...
Ou, se quiseres, lançarei ao mundo uns fragmentos amorfos, com os quais poderás arquitetar o que entenderes.
Amor e alegria, entusiasmo e serenidade, sofrimento risonho e espontânea renúncia - e tudo isso aureolado de espiritual leveza e jubilosa felicidade - eis as pedras para o edifício!
Não o levantarei, para que o possas construir - segundo o teu plano.
Não se prendem raios solares - em gaiolas de ferro.
Não sei vazar em períodos corretos a poesia da Natureza.
Não sei definir com silogismos - uma alma ébria de Deus.
Nada disso sei - só sei calar grandezas humanas.
Porque toda grandeza é anônima.
Como anônimo é Deus.
O Inefável.
(Texto extraído do livro De Alma Para Alma - Huberto Rohden - Editora Martin Claret.)

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